Precisamos falar de preço (de livro)

28/08/2015 3531 visualizações

 Por Carlos Andreazza

 

Nos últimos cinco anos, tudo no Brasil ficou mais caro. O preço do livro, não. Ao contrário: todos os custos aumentando, os insumos inflacionados, e, no entanto, as editoras ainda baixando os preços.

Nem me aprofundarei na questão conceitual acerca de valor. O editor também é um educador. Insisto nisso. Tem, pois, a obrigação de tornar pública, de disseminar a complexa cadeia produtiva que resulta no livro. Diversamente do que manifestam livros a vinte reais ou mesmo menos (e ainda antes dos eventuais descontos dos livreiros), o nosso produto não é fruto de milagre de repente materializado nas livrarias.

Paga-se sessenta, setenta reais por muita porcaria efêmera neste país, e nós entretanto com medo de cobrar quarenta, cinquenta reais por algo de caráter permanente. Por quê? Não tenho a resposta, mas seu mais mínimo esboço passará obrigatoriamente pela constatação de que ou se compreende mal o ambiente editorial brasileiro ou pouco se preocupa com sua saúde.

Livros desvalorizados não formam consumidores, muito menos – é mentira – popularizam o livro. Em uma palavra: deformam. Outra: viciam. E ainda: vulgarizam. Aí vem a Bienal e então virão as variantes da pergunta: “Tem livro de dez reais?” Não é a procura pelo livro, por aquele livro desejado, mas pelo preço – com o qual não se paga hoje nem picolé.

Que um ou outro título seja agressivamente barato, isso é estratégia comercial legítima. É preciso estudar e compreender a natureza do que se publica e a que público se destina. Mas que a baratização do preço de capa do livro seja política, prática indiscriminada, independentemente do caráter da obra editada, isso significa – ainda que inconscientemente – investir contra o processo editorial que deságua em produtos cada vez melhores e mais bonitos.

Faz pouco, a título de exemplo, publicamos, do historiador Antony Beevor, o já clássico A segunda guerra mundial, obra cuja pretensão é simplesmente a de esgotar o assunto, um volume de 951 páginas, com encarte de fotos, editado e produzido ao longo de pelo menos dois anos, com tradução de excelência, revisões técnicas detalhadas, inúmeros tratamentos de texto, e isso sem falar no adiantamento de direitos autorais, em dólares, pago ao autor – um livro pelo qual cobramos, sem dúvida ou remorso, justíssimos 98 reais.

Retorno, então, ao tema da educação; do papel pedagógico do editor. Mais do que abrigar todo esse encadeamento de valor objetivo, o preço do livro precisa representar – evidenciar – a importância, a complexidade, a grandeza da empreitada ali concretizada. O indivíduo que lê, que consome livros, precisa ser informado – e preço informa – do conjunto valioso de ofícios que se consolida naquele produto. Porque esse mesmo sujeito sairá da livraria para comprar – por cem reais, e sem reclamar, consciente de que paga o quanto leva – um bom vinho francês. Há toda uma tradição a fundamentar isso, a embasar essa percepção. Precisamos criar a nossa.

Precisamos também pensar no livreiro. A cada ano, afinal, sobem-lhe o aluguel, os salários, a conta de luz. Para que seu negócio sobreviva, não há mágica possível: ou o preço do livro é corrigido ou ele terá de aumentar o número de exemplares vendidos. Como a base consumidora de livros não cresce, as livrarias fecham. Quantas outras terão de quebrar até que se considere e encontre um equilíbrio entre preço de venda e custo da operação?

Preço fixo não é a solução. Preço é instrumento do livre mercado. Sou a favor de que livrarias deem desconto. E quero – desejo mesmo – que a cultura competitiva no mercado editorial se desenvolva livre de artificialismo, tendo por origem uma base real: um preço de capa consistente com todo o valor agregado na cadeia de que o livro é produto final. Simples assim.

Há nisso tudo – na resistência a que se aumente o preço de capa do livro – um grande engano sobre o que seja uma editora, francamente compreendida como a exploradora, como aquela que espolia autores, livreiros etc., quando, na verdade, e cada vez mais, é a única (repito: a única) a correr riscos em todo o processo, e isso tendo margens de lucro progressivamente menores, para o que muito contribui esse auto-boicote, essa deturpação que impõe, ainda pior que o congelamento, o rebaixamento de preços. Não é aceitável que armemos a forca contra nossos próprios pescoços.