À primeira vista, um livro que fala sobre a experiência de um ano sabático pode parecer distante da realidade da maioria das pessoas. Afinal, poucos podem se dar ao luxo de largar o emprego e sair por aí para viajar ou fazer o que der na telha. Mas o que o casal de jornalistas Karin Hueck e Fred diGiacomo vivenciou no projeto Glück, que sai agora em livro, vai muito além de um período off.
Mesmo levando uma vida confortável e com carreiras bem-sucedidas na Editora Abril, eles sentiram que estavam entrando no piloto automático e decidiram listar as coisas que gostariam de fazer antes de morrer. Foi assim que perceberam que a rotina não estava alinhada com seus sonhos. A busca pessoal se transformou num projeto mais amplo, que eles batizaram de Glück (felicidade e sorte, em alemão). Após pedirem demissão, Karin e Fred se mudaram para Berlim e deram início a uma densa investigação sobre a felicidade.
Qual a conclusão mais inesperada a que vocês chegaram nessa investigação sobre a felicidade?
Eu achei muito interessante descobrir a resposta para a filosófica pergunta do “Dinheiro compra felicidade?”. A resposta é “compra até certo ponto, inclusive com um limite no valor de dinheiro mensal que você pode ganhar e fazer a diferença”. Essa resposta vai contra tanto o viés mais desapegado de que dinheiro não importa, quanto contra os mais materialistas que veem no dinheiro uma solução pra toda tristeza do mundo. O fato de existir uma fórmula da felicidade que define nossas possibilidades de sermos felizes ao longo da vida(50% genética, 10% circunstâncias, 40% atividade intencional) também é algo que eu não imaginava. E, por fim, nossa principal conclusão é de que ninguém chega à felicidade e “pronto, acabou”. A felicidade é algo momentâneo, que precisa ser cultivado, como naquela música que diz que “a felicidade não existe, o que existe são momentos felizes”.
Como foi estudar a felicidade vivendo na Alemanha, um país marcado por memórias tão dolorosas? A experiência também modificou a ideia de felicidade que vocês tinham em relação ao Brasil ou aos brasileiros, uma vez que somos considerados um povo feliz mesmo sendo um dos mais desiguais do mundo?
O passado doloroso alemão está muito presente em Berlim, mas isso serve também para que os berlinenses procurem construir um novo caminho distante do que já fizeram. A cidade é muito criativa, as pessoas valorizam muito seu tempo livre e a qualidade de vida. A infraestrutura oferecida pelo estado facilita muito você ter uma vida feliz. Sobre o Brasil, o fato de sermos um dos países mais felizes do mundo depende muito da metodologia aplicada. Segundo a ONU, os países mais felizes do mundo são os do norte da Europa que têm uma qualidade de vida melhor. Na minha percepção, devido ao histórico do nosso país, o brasileiro parece um povo intenso que quer aproveitar o momento ao máximo porque não sabe como vai ser o dia de amanhã. Por outro lado, aqui você também precisa ser extremamente cordial pra demonstrar que não quer conflito com o próximo. Os alemães não se esforçam tanto pra serem simpáticos, mas seus índices de violência também são mais baixos do que os daqui.
Vocês conversaram com pessoas de diferentes culturas. Generalizando um pouco, vocês acreditam que o estilo de vida oriental e sua constante busca por equilíbrio torna a vida mais leve e feliz? A popularização de atividades como yoga e meditação por aqui pode indicar que o Ocidente está se aproximando mais desses valores?
Pra gente é muito difícil generalizar uma opinião sobre os orientais. Por exemplo, a vida na China, hoje, é muito voltada à produção e o Japão tem altos índices de suicídio, ao mesmo tempo vimos na prática que o Camboja (um dos países mais miseráveis do mundo) é muito menos violento do que o Brasil e também presenciamos a forte influência da religião budista na Tailândia. O ocidente se desconectou muito da mente, adotando um estilo de vida com foco muito materialista e isso gera um desequilíbrio que algumas pessoas procuram compensar com yoga, meditação, esoterismo e espiritualidade. Não nos parece que essa é uma mudança estrutural. Pelo contrário. Parece que o oriente tem buscado um estilo de vida mais ocidental.
De qualquer maneira, as pesquisas e nossa experiência prática demonstram que a meditação ajuda muito a se ter uma vida menos estressante e mais feliz. A Karin usou muito a meditação para controlar a ansiedade e falamos bastante disso no livro.
No que diz respeito às gerações e sua relação com a felicidade, a gente vê muitas reportagens negativas sobre a geração Y. Eles aparecem muitas vezes como os impacientes que pulam de um emprego pro outro, de relações em relações. Por outro lado, também são aqueles que se arriscam mais e conseguem viver melhor em cenários instáveis, como o do atual mercado de trabalho brasileiro. Levando em conta as experiências que vocês ouviram, como é possível harmonizar esses valores de diferentes gerações? Considerando que a felicidade está condicionada a muitas questões individuais, como vocês destacam no livro, é besteira pensar que existe uma geração mais feliz que outra?
Acho que nenhuma geração é mais feliz que a outra por conta de seus valores geracionais. Mas o fato de você passar 5 anos de sua vida metido em uma Guerra Mundial ou décadas vivendo a ansiedade de uma possível hecatombe atômica podem influenciar sua felicidade, sim. No caso do Brasil, por exemplo, é visível como nossa crise econômica, política e moral tem nos deixado menos ostensivamente felizes. O ambiente influencia a felicidade individual, apesar de a busca pela felicidade pessoal ser um caminho único. O que nos parece é que o cenário econômico do período em que escrevemos o livro (2013) permitia que os jovens da chamada geração Y pudessem viajar mais, estudar mais, sonhar com empregos mais satisfatórios e não se preocupar tanto com uma estabilidade de bens (casa própria, carro, etc) do que os seus pais. Isso mudou muito de 2015 para cá.
No livro “A euforia perpétua”, o filósofo francês Paul Bruckner analisa o lugar de vários sentimentos e sensações que se relacionam com a felicidade, como tédio, inveja, ambição e vaidade. A obra foi lançada nos anos 2000, um pouco antes do surgimento do Facebook e uma década antes do Instagram. Vocês acham que as redes sociais contribuíram para o aumento da sensação de infelicidade? E podemos relacionar isso ao aumento expressivo dos casos de depressão e ansiedade?
Karin: Falar de redes sociais é um negócio perigoso. Nem mesmo quem estuda o assunto consegue chegar a conclusões definitivas. Acho que, sim, as pessoas só colocam as partes mais legais de seus trabalhos nas redes sociais: as viagens, os projetos finais, as fotos editadas. Nunca vi ninguém compartilhando um print-screen de tabela do Excel. Ou da reunião de três horas na sexta à tarde. Se você se apegar demais às fotos que os outros colocam de trabalhos incríveis, pode ficar com a sensação de que seu trabalho não é tão legal assim. Então é bom lembrar que só vemos o crème-de-la-crème. Todo trabalho é chato e legal.
Fred: Antigamente nós costumávamos nos comparar, competir e invejar nossos vizinhos e nossos colegas de trabalho. As redes sociais transformam essa competição entre “pessoas comuns” (que não inclui os astros dos esportes e da música, por exemplo) em algo nacional e até global. O “melhor batedor de embaixadinhas da aldeia” perde seu posto, facilmente, dando uma busca no Facebook. E, pra piorar, nas redes sociais consumimos uma versão maquiada da realidade, quase um reality show em que todos estão bonitos, felizes e bem-sucedidos.
A busca desenfreada pela felicidade também não estaria desviando a importância da tristeza e das decepções para o amadurecimento? Este também não seria um problema muito comum entre os jovens da geração y que buscam resultados tão imediatos?
Karin: O que eu acho que é característico da geração Y são as inúmeras possibilidades de se criar uma profissão nova e montar uma trajetória profissional com a sua cara – algo que não existia nas gerações anteriores. E isso é muuuuito legal – e tem cara de “seguir um sonho”, né?
Fred: Eu escrevi no Glück: “Não transforme o “largar tudo” no novo “compre uma casa grande, um carro de luxo e muito Rivotril”. Não aceite nunca que te empurrem uma fórmula para a felicidade. Procure se compreender e compreender o que te faz infeliz. (Sim, sim, “Conhece-te a ti mesmo”, Sócrates.) Leia, pesquise, reflita e encontre seu caminho. Um caminho de equilíbrio onde momentos de felicidade serão abundantes, mas também haverá espaço para dor, angústia e tristezas.” Se a coisa virou uma fórmula, uma meta e algo para ostentar, estamos no caminho errado de novo.
Após voltarem para o Brasil e retornarem para a rotina de escritório, vocês partem mais uma vez para a Alemanha. Dessa vez, em uma conjuntura diferente da anterior e com um filho. Qual é a expectativa para esta vez? As pesquisas para o Glück vão continuar? O que a experiência como pais têm ensinado a vocês sobre felicidade?
Fred: Estamos voltando porque a Karin passou em uma bolsa bem legal para estudar licença parental e estávamos pensando, há algum tempo, que seria bacana ter uma oportunidade de passar um tempo fora. Inicialmente, vamos focar em divulgar o livro do Glück, mas, quem sabe, novas pesquisas não possam surgir? 🙂
Karin: Meu filho me ensinou que felicidade é autocuidado, falar não pras coisas e entender os seus limites. Somos uma sociedade muito programada para executar tarefas e nunca parar e a maternidade nos obriga a desacelerar e criar um tempo próprio. O maior ensinamento da maternidade é focar no agora.