A autora Claudia Lage, vencedora do Prêmio São Paulo de Literatura 2020 com o romance O Corpo Interminável, participa hoje da Semana Amazon de Literatura. Com mediação de Rodrigo Casarin, do blog Página Cinco/UOL, a autora participará da mesa A importância dos prêmios literários na construção da carreira do autor, ao lado das autoras Aline Bei e Barbara Nonato. O evento acontece ao vivo e pode ser visto neste link, às 17h30 de hoje (29). A programação completa pode ser conferida aqui.
Claudia conversou com este blog para falar sobre O Corpo Interminável, o livro premiado, que narra a história Daniel, um filho em busca de vestígios de sua mãe desaparecida durante a Ditadura Militar brasileira. O livro traz à tona uma narrativa que destoa do narrador masculino que geralmente acompanha o tema: a feminina. “A narrativa predominante era a masculina, o guerrilheiro, o herói”, explica Claudia. “Já a guerrilheira era vista como um elemento figurativo, não como sujeito daquela história, estava lá como objeto, musa, namorada. Heroína, nunca”.

Foto: Flavia Lage
Claudia, que ministra cursos e oficinas de roteiro e escrita criativa – atualmente ela conduz uma turma numa imersão no gênero Conto Clássico, além de participar de uma série de oficinas de escrita do SESC (A arte da Palavra, que ganhou versão online com a chegada da Pandemia) – também fala do processo de escrita do romance, como surgiram os personagens e a narrativa em si. Somente neste trabalho, Claudia debruçou-se por mais de seis anos dentre pesquisas e escrita. Embora dialogue com a atualidade, quando começou, a autora não imaginava estar escrevendo sobre um fantasma que se reacenderia. “A escrita do livro acompanhou as transformações traumáticas dos últimos anos, não no sentido de uma representação realista, mas como uma experiência do impacto”, conta.
Sempre em busca de narrativas femininas, Claudia é uma escritora que exalta a escrita das mulheres e defende uma maior participação de autoras no cenário literário do país, tanto que também tem uma oficina dedicada ao tema. No entanto, a escritora defende a independência da narrativa, da história que se quer contar. “Escreva o que quiser, sobre o que quiser, como quiser, o que inclui, no meu caso, escrever sobre mulheres também, já que tudo que é humano é universal”, versa a escritora em possíveis conselhos às mulheres autoras. Militar pelas palavras escritas é um manifesto para alcançar um outro futuro, é o que nos ensina sua escrita – também encontrada nos livros Mundos de Eufrásia, e Labirinto da Palavra, ambos pela editora Record.
Confira abaixo a entrevista completa com Claudia Lage.
5 perguntas para Claudia Lage, autora de O Corpo Interminável
Qual a importância de uma mulher vencer o Prêmio São Paulo de Literatura com um romance que mergulha em busca do resgate da história de mulheres guerrilheiras?
É uma ficção que traz à tona histórias silenciadas e pouco escutadas, lidas, quando contadas. A narrativa predominante era a masculina, o guerrilheiro, o herói, que sacrificou a vida e a família em busca de um ideal, já a guerrilheira era vista como um elemento figurativo, não como sujeito daquela história, estava lá como objeto, musa, namorada. Heroína, nunca, pelo contrário, afinal ela abandonou o lar e a família para a militância política. Um prêmio como o PSP é importante como reconhecimento dessa voz que emergiu, dessa história, mas também de uma escrita literária feita por uma mulher dessa voz, ou vozes, e histórias, no caso do meu livro.
Li diversos relatos que o pai guerrilheiro era recebido pela família de braços abertos, apesar dos anos distante por causa do envolvimento com a política, enquanto a mulher era recebida com desconfiança e ressentimento, por conta da mesma distância e envolvimento político. Então, foi interessante tirar essa máscara de ambos os guerrilheiros, essa visão tão plana de personagens, e olhar o que tem ali, abaixo dela, que é o que temos mais próximo da autenticidade, a humanidade de cada um.
Os personagens me acompanharam e me auxiliaram nessa busca de, como mulher e brasileira, entender melhor o meu lugar no momento presente. O que é crescer e se formar num país em contínua amnésia?
– Claudia Lage
Como surgiram os personagens de Daniel e sua mãe?
A imagem de um homem, ainda jovem, de mais ou menos 40 e poucos anos, dentro de um apartamento acompanhado de um senhor, um homem calado e sério, me perseguiu por um tempo sem que eu soubesse o que fazer com ela, até que um dia me deparei com uma foto de uma guerrilheira na internet, nua e morta. A conexão foi imediata, aqueles dois homens solitários, neto e avô, silenciosos, incapazes de lidar com aquela solidão e silenciamento estavam daquela forma pelo que havia acontecido àquela mulher… a filha e a mãe deles… Esse foi o movimento inicial que deu origem ao livro, que teve outros desdobramentos depois.

O livro premiado.
Foram seis anos criando, gestando e escrevendo “O corpo interminável”. Você imaginava que o lançaria em período que dialogasse tanto com a história, diferente de quando começou a escrevê-lo?
Não, quando comecei, a ditadura era uma memória mal resolvida e silenciada no país, e de repente começou a vir à tona como uma ameaça real… A escrita do livro acompanhou as transformações traumáticas dos últimos anos, não no sentido de uma representação realista, mas como uma experiência do impacto subjetivo, existencial, físico que os personagens (e nós, brasileiros) temos ao nascer e viver num país tão violento, que silencia sobre essa violência, e, pior, ainda tenta relativizá-la.
Romance publicado, história entregue aos leitores. Como ficaram os personagens no coração da escritora?
Tenho imenso carinho por eles, que me ajudaram muito a atravessar o período de 2015 a 2018, quando terminei de escrever o livro, uma semana antes das eleições para presidente. Os personagens me acompanharam e me auxiliaram nessa busca de, como mulher e brasileira, entender melhor o meu lugar no momento presente. O que é crescer e se formar num país em contínua amnésia? O que tantos apagamentos e soterramentos me tiraram e me deram?
Para encerrar, uma mensagem às mulheres que escrevem:
Toda escritora e escritor tem seus interesses, assuntos específicos que despertam e que levam à escrita, é uma fagulha que acende, é uma voz interior, e o que faço é dar espaço a essa fagulha e ouvir essa voz. É o que digo a mim mesma, escreva o que quiser, sobre o que quiser, como quiser, o que inclui, no meu caso, escrever sobre mulheres também, já que tudo que é humano é universal.